Um exemplo de felicidade

O capitalismo pode impor a grande maioria das famílias uma felicidade cara e disfarçada que progride para o afastamento dela aqueles que não percebem a armadilha montada.

Conheçam o Sô Antônio e parte da família...
Sô Antônio fugindo da violência que assolava o subúrbio da cidade grande onde morava retorna a terra natal na zona rural de Manhuaçu. Traz consigo seu filho e nora. Carentes de dinheiro trabalham de sol a sol nas lavouras cafeeiras responsáveis pela riqueza da região. Moram num casebre construído por eles mesmos nos poucos litros de solo que puderam comprar com a venda da casa suburbana. Nas terras do Sô Antônio cultivava-se couve, alface, feijão, milho, mandioca, cenoura e batata. O pomar tinha poucas árvores de laranja, limão, goiaba, manga e abacate. Existiam sempre galinhas poedeiras soltas pelo quintal e um porco no chiqueiro. Água não era problema para eles, pois a nascente do principal riacho era lá nas terras do Sô Antônio. Ele tinha o necessário a sobrevivência dele e da família. Aquilo que faltava era comprado com o trabalho na cafeicultura de outros proprietários. Trabalhavam os três juntos. Ouvia-se
o cantarolar de todos e também as conversas desde o início até o fim do dia quando juntos voltavam para casa e sem energia elétrica esquentavam a água do banho e preparavam o arroz com feijão regado a farinha de mandioca e algum legume ou verdura colhido por ali mesmo. Carne nem sempre. Precisavam economizar a do último porco sacrificado até o outro ter peso para corte.

Durante a alimentação noturna e após ela sentavam-se em frente ao fogão à lenha e conversavam por algum tempo. Dormiam cedo, pois o cansaço físico era grande e a rotina do dia seguinte começaria lá pelas primeiras horas do dia. Meses após a mudança de endereço nasceu o neto para completar a felicidade daquela família. Também um probleminha facilmente solucionado surgiu. Como ficaria o neto quando a família fosse trabalhar? A solução simples foi levá-lo para as lavouras dentro de um balaio. A rotina continuou do mesmo jeito só que agora de vez em quando alguém ia até o berço improvisado para conversar com o bebê. Poderia ser qualquer um desde sua mãe até o avô inclusive para trocar a fralda de pano. Ao levar o pequeno ao médico do SUS iam pai e mãe. Quando de dias ensolarados usavam até um guarda-sol e marchavam a pé aproximadamente 15 km. Ir era até mais fácil. Era só descer, mas para voltar para casa era subir, e subir, e subir. Ficavam o dia todo por conta daquela tarefa. Pergunta-se:

Seriam eles felizes?

Até então não existia energia elétrica na propriedade do Sô Antônio. O caminho até a cidade era difícil – aos olhos de outros - pela inexistência de veículo e também a ambição não imperava na vida deles. Não se tinha dinheiro de sobra e com isso não se contemplava nada mais além daquela vida simples e humilde. Ninguém cobrava nada. Não existia ambição ou ela era escondida por saber da impossibilidade de atendê-la.

Ele resolveu melhorar de vida...

Certo dia o Sô Antônio quis energia elétrica para facilitar a vida da família. Pegou emprestada com um vizinho e colocou até uma televisão. À noite sentavam-se à frente do aparelho, viam, ouviam e novamente dormiam cedo. Não mais conversavam. Às vezes tinha algum programa bom e o filho do Sô Antônio ficava até mais tarde vendo e ouvindo. Nos dias seguintes a essas noites longas do filho ele bocejava bem durante a dura jornada de trabalho.
Meses após o Sô Antônio quis um veículo automotor para facilitar a vida da família. Para atingir tal intento juntava um pouco, mas muito pouco daquilo que ganhava por longos meses às vezes deixando de comprar o necessário para o sustento da prole e comprou um fusquinha e o problema de ir até a cidade acabou. E outros? E a manutenção, documentos e combustível? O pouco que recebiam da troca pelo trabalho que realizavam já não era suficiente.

A frustração...

Frustrado o Sô Antônio teve que vender o automóvel, mas não pelo preço que comprara, mas bem mais baixo afinal ele já estava bem danificado pela falta dos reparos devidos.Chateado o Sô Antônio ficou desanimado. Já não tinha mais facilidades para ir até a cidade. Ir até lá tornara-se difícil e que antes era rotineiro e mesmo a pé. Passou a crer que a melhor solução seria mudar-se para Manhuaçu e trabalhar em qualquer lugar. Ponderou sobre o aluguel. Afinal seu pedacinho de terra uma vez vendido não compraria nem uma casa simples na cidade que pretendia. E a energia elétrica, a fatura de água, o custo do supermercado? Quanto iria receber junto com seu filho visto que na cidade a nora ficaria para cuidar de casa e do neto?

Resolveu ficar por lá mesmo no pedacinho de terra e continuar a rotina embora acreditasse que ela era dura demais. Mas, na cidade ela poderia ser muito pior.
Algumas reflexões
Mas, voltando ao início...Sô Antônio era feliz e não sabia antes de ter ambição. Esta é mola mestra do capitalismo. É condição para sobrevivência nas cidades e alia-se á cobrança social do se o outro tem eu também quero ter. Juntas - ambição e sociedade – podem mascarar uma falsa felicidade que impõe o consumo, o ter, o poder, o prestar contas a uma sociedade que ri uns para os outros enquanto se tem e se ri dos outros quando se cai. Às vezes até se esquece dos filhos.

Interessante é que por inúmeras vezes ouve-se a cobrança dos filhos sobre o que ele será quando crescer como se o ser algo ou alguém fosse o responsável pela felicidade. Se assim o fosse os descendentes do Sô Antônio não seriam nunca felizes e a família dele o foi até encontrar o pilar do capitalismo.

Cobrança social lá na sua vizinhança também havia. Riram junto com ele quando adquiriu o carro, mas também riram do Sô Antônio quando teve que vender o fusca.

A imaginação pode até ser verídica e mostra que ser feliz é simples demais. A felicidade pode estar muito perto, porém para nós difícil é abrir mão dos benefícios de produtos e serviços colocados à disposição pelo mercado uma vez conhecidos e vivenciados.

Seria possível a um de nós viver como o Sô Antônio e sua família e sermos felizes? Creio que não, pois já conhecemos a fundo o outro lado que o nosso personagem tentou viver e não conseguiu: O capitalismo selvagem.

Dos conhecimentos apresentados por Jesus Cristo que nós deveríamos seguir para buscar a felicidade tanto terrena quanto eterna não partiu esse conceito. Muito pelo contrário. Pregava uma sociedade solidária e justa aos olhos de Deus onde um deveria se preocupar com o outro e não escravizá-lo. Diferentemente do que ocorre no capital onde existe um grande número de “escravos” e uma pequena quantidade de “senhores”. Mas, Ele quer a sociedade que contempla. Será que já não começamos a observar isto acontecendo? A família que durante muito tempo foi colocada por muitos após o ter passa a ocupar lugar de destaque para um grande número; a solidariedade há muita esquecida ou pelo menos sutil demais para o mundo torna-se uma explosão em todos os níveis; a própria globalização sendo justificada como abertura de novos mercados mascarando uma crise capitalista onde a produção de um país aumentada em demasia na busca do lucro e riqueza não consegue ser consumida por seus habitantes e para onde se exporta normalmente sendo necessário a “abertura de novos mercados”. Vejamos o grande número de cristãos afastados da religião há muito retornando aos templos ou igrejas e jovens na busca de dias melhores aqui buscando a vida eterna em Deus.

Um outro grande problema da sociedade de hoje é o de sempre culpar o outro por erros. Defesa? Num momento de pressa para chegar a algum lugar e se passa o semáforo vermelho culminando com uma colisão com outro veículo dificilmente o motorista errado dirá que não obedeceu a sinalização a menos que seu veículo seja segurado. Apresentar os dentes em lastimável estado de doença é culpa de qualquer coisa exceto a falta de higiene pessoal. Nesse aspecto é fácil colocar a culpa da infelicidade nos outros e não ver a própria culpa ou ainda dizer que o outro é infeliz quando também não se é.

A felicidade é abstrata quando se analisa o todo. Não é plena. Precisa de pequenos ou grandes ajustes dentro da vida de cada um e tentar a culpa da infelicidade em si próprio.

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