Comentário sobre a Encíclica "Spe Salvi"
Na encíclica “Spe Salvi” de Bento XVI em 2007, o Sumo Pontífice narra que Deus deve ser a esperança e a salvação. Discorre que os Efésios apesar de terem deuses, não tinham esperança: “Apesar de terem deuses, estavam sem Deus”. Ao mesmo tempo Paulo diz aos Tessalonicenses que “não deveis entristecer-vos como os outros que não têm esperanças”. O Papa demonstra, aqui, que embora os Cristãos não conheçam – em detalhes – o que os espera no futuro, sabem que suas vidas não acabam no vazio. Quem tem esperança de viver diversamente. É a vida nova. Reconhecer o verdadeiro Deus é receber
esperança.
O cristianismo, em Jesus Cristo, não era sociorrevolucionário. Jesus não era guerreiro a lutar por libertação política. Ele propicia o encontro com o Deus vivo; o encontro com a esperança que é mais forte do que o sofrimento, qualquer sofrimento.
Na Igreja primitiva os homens que se tratavam, antes, como patrões e empregados, chamam-se a si mesmos de irmãos e irmãs como membros da única Igreja. Assim, como Onésimo fora devolvido ao seu “senhor” Filêmon na Carta de Paulo, não como escravo, mas como irmão em Cristo.
De acordo com a Carta aos Hebreus, os cristãos não têm aqui neste mundo uma morada permanente, mas procuram a futura. (Hb 11, 13-14; Fl 3,20). A sociedade presente é reconhecida pelos cristãos como uma sociedade imprópria; nós pertencemos a uma sociedade nova.
Para o início da Igreja primitiva ocorreram conversões tanto nas classes baixas da sociedade, livres para experimentar a nova esperança, como também na aristocracia por causa da falta de esperança e de Deus em suas vidas. Assim, destacavam-se duas figuras de Cristo: O filósofo a indicar o itinerário da vida e a do Pastor – vida simples e saudosa para as pessoas das grandes cidades – que conduz o caminho que passa pelo vale da morte; aquele que mesmo na solidão está conosco, que acompanha; a mostrar que após a vida há continuação. A fé é a substância das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se vêem.
As propriedades, aquilo da qual se necessita para viver como segurança normal para a vida, foi tolhida durante a perseguição cristã. Podiam, eles, prescindir dela. Acharam uma base melhor para a existência. Uma que ninguém pode tirar e sempre permanece.
A fé confere à vida uma nova base, novo fundamento para que o homem se apóie.
Para nós, hoje, a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós ela é performativa - a dar um modo novo a mesma vida - ou é informativa parecendo superada por informações mais recentes? No batismo o que os pais pedem é a fé para o batizando e, assim, a vida eterna. Mas, hoje, queremos viver eternamente? Segundo palavras de o Padre da Igreja, Sto. Ambrósio, diz que “Deus não instituiu a morte ao princípio, mas a deu como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido”.
O que na verdade é vida e o que é eternidade? Por um lado não queremos morrer e por outro não desejamos continuar a existir ilimitadamente. O que queremos na realidade? Santo Agostinho escreve: “No fundo queremos uma só coisa: A vida bem-aventurada”. A vida que é pura felicidade. Mas, Agostinho continua: “Não sabemos realmente o que desejamos”. Mesmo no momento em que pensamos toca-la, não a alcançamos realmente. Não conhecemos o sentido da “vida verdadeira”.
Enquanto eterno suscita em nós a idéia do interminável, do infinito, e até provoca medo, vida é aquilo que não queremos perder, mas que nos dá canseiras e insatisfações de tempos em tempos. Para entendermos a vida eterna temos que sair da idéia de dia após dia, de temporalidade que somos prisioneiros e de que a eternidade não é uma sucessão de dias do calendário. É quando o antes e o depois já não existem. No Evangelho de João 16, 22 Jesus fala: “Eu hei de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria”.
A vida verdadeira depende também da união com um povo e pode realizar-se somente no âmbito do “nós”. Somente com a abertura do sujeito para o universal é que se abre o olhar para a fonte de alegria, para o amor em pessoa, para Deus.
Segundo Francis Bacon, falando da atualidade, disse que surgirá ou surgiu o “reino do homem”. Um mundo totalmente novo com descobertas completamente novas. Pensava-se aí no avião, submarino, etc. Neste contexto a fé passou a ser a fé no progresso. Surge como conseqüência a razão e a liberdade. O progresso é a superação de dependências; é o avanço para a liberdade perfeita. Segundo a encíclica é necessário um olhar sobre duas etapas: 1. “A Revolução Francesa como tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade agora também de modo politicamente real”. 2. A industrialização gerando uma situação social distinta onde surge a classe dos trabalhadores da indústria, o proletariado industrial e as terríveis condições de vida deles e a conseqüente revolução proletária. Neste momento surgiram os ideais de Karl Marx que defendia que o progresso não é advindo somente da ciência, mas da política. Ele descreveu no Manifesto Comunista de 1848 os caminhos para a revolução, “da mudança de todas as coisas”. Errou quando apenas indicou o modo de realizar o derrubamento, mas não revelou como proceder após a revolução. “Ele supunha simplesmente que com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizada a Nova Jerusalém”.(...)”Ele esqueceu o homem e a sua liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. (...)O homem não é só produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis”.
A fé no progresso é complexa uma vez que existe uma ambigüidade onde o mesmo progresso que oferece o bem sucumbe, também, ao mal. Foi o progresso que fundou a era atômica dentre outros males.
“Quem prometesse o mundo melhor que duraria irrevogavelmente para sempre faria uma promessa falsa; ignoraria a liberdade humana”. Uma vez que se fixa ou impõe uma boa condição do mundo – por mais bem intencionada que seja - se nega a liberdade humana. Assim, a busca de “retos ordenamentos” para o homem é tarefa de gerações; nunca pode se dar por concluída; cada um deve dar sua contribuição para ordenamentos do bem e que “ajudem a geração seguinte na sua orientação para o reto uso da liberdade humana”.
O homem sempre está em busca de algo novo. Nunca se realiza na totalidade. Busca-se, por exemplo, uma profissão como forma de “viver”. Mas, uma vez alcançada, vem as frustrações e, novamente, ele é impelido a buscar algo novo, desconhecido, mas que, talvez, venha a lhe atender. É a esperança. A era moderna frustrou quando destacou que com os conhecimentos da ciência e da política científica poder-se-ia instaurar um mundo perfeito e nestes conceitos muito se esperava; muita esperança fora depositada. A esperança no reino do homem substituiu o reino de Deus. Passou-se a acreditar que o mundo melhor seria para o futuro e não para hoje, não para mim, não para nós, mas para “eles”. Mas, se não é uma esperança para mim - embora o “nós” é parte da “vida” e fundamental para a realização humana – não é uma verdadeira esperança. Há de existir a liberdade sempre, o livre arbítrio do homem. Sem a liberdade é impossível ser bom o mundo. É só se imaginar privado dela como um presidiário. Mas, o mundo melhor só de amanhã não pode ser suficiente a nossa esperança cristã.
Nesta proposta é fácil entender que a esperança só no mundo não realiza, não gera esperança verdadeira. Só Deus pode propor e dar aquilo que, também sozinhos, não podemos conseguir. “Somente o Seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia sem perder o ardor da esperança num mundo que por sua natureza é imperfeito”. No amor de Deus esperamos, ansiamos pela vida verdadeira.
A Encíclica “Spe Salvi” mostra, também, “lugares” de aprendizagem e de exercício da esperança a todos nós cristãos.
O primeiro “lugar” citado pelo Sumo Pontífice é por intermédio da oração. “Se me encontro confinado numa extrema solidão... o orante jamais está totalmente só”. Cita, o Papa, o Cardeal Nguyên Van Thuân que preso por treze longos anos num desespero total encontrava na oração a força crescente da esperança que o estimulava dia pós dia.
O homem deve livrar-se das mentiras que enganam a si mesmo. Deve dilatar o seu coração a Deus e receber dEle o que é digno. Tudo isto e muito mais por intermédio da oração. Devemos “limpar o vinagre” e nos purificar para receber Deus. Agindo desta forma, segundo Bento XVI, estaremos aptos a Deus e, também, ao próximo.
A oração deve ser pessoal, mas guiada pela Igreja como na oração litúrgica. O Cardeal Nguyên Van Thuân comentou que nos anos da prisão, cansado e incapaz de rezar, lembrava-se do Pai-Nosso e da Ave-Maria.
A ação e o sofrimento nos fazem aprender a ter esperança. A continuar vivendo devemos empenhar na busca por um mundo melhor, mais luminoso e humano. Mas, tudo isso iluminados por Deus. A continuação da nossa vida e futuro da comunidade nos cansa e pode se transformar em fanatismo. “Se não podemos esperar mais do que é realmente alcançável de cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem as autoridades políticas e econômicas a nossa vida se arrisca a ficar bem depressa sem esperança”, diz o texto.
Da mesma forma é narrado sobre o sofrimento. É importante diminuir o sofrimento dos inocentes, amenizar dores e superar os sofrimentos psíquicos. Isto é papel do cristão. Não é o escapar do sofrimento que se lê na Encíclica, mas o aceitar os obstáculos da vida e amadurecer. A união com Cristo que sofreu com amor.
Bento XVI diz: “A verdade e a justiça devem estar acima da minha comodidade e incolumidade física, senão a minha própria vida torna-se uma mentira”. Por maior sofrimento que seja, o cristão há de lutar por princípios do bem.
A idéia de juízo final incomoda. No credo litúrgico donde se fala que “há de vir a julgar os vivos e os mortos”. Igualmente a oração parece apontar para a consciência diária, mas também na esperança da justiça divina.
O ateísmo é, segundo o documento da Igreja, um manifesto moral onde aqueles não acreditam que exista um Deus justo que permita injustiças no mundo, “sofrimento de inocentes e cinismo do poder. É em nome da moral que é preciso contestar Deus”. Assim, o próprio homem é chamado a estabelecer a justiça. Mas, assim, também suscita dúvida. Se Deus deve intervir a não ocorrer estas injustiças, Ele não permite também a liberdade, o livre arbítrio. Pior ainda seria a desnecessidade de, neste mundo perfeito, existisse a esperança. Seria a morte da esperança.
“Deus existe e Deus sabe criar justiça num modo que nós não somos capazes de conceber, mas que pela fé podemos intuir”. A satisfação individual que nos é negada na vida é motivo importante para crer que o “homem seja feito para a eternidade”.
“No fim, no banquete eterno não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas como se não tivesse acontecido”. Deus é graça, mas também justiça. Se fosse apenas graça apagaria todos os erros que fazemos cientes daquilo que fazemos. Assim, Ele é também justiça. Mas, se fosse só justiça teríamos medo na caminhada terrena.
No juízo final haverá o juiz, Jesus, onde “o nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa sujeira não nos mancha para sempre se ao menos continuarmos inclinados para Cristo, para a verdade e para o amor. Esta sujeira já foi queimada na paixão de Cristo”. Esta é a visão do purgatório que também é impossível entender o tempo dele com o cronômetro humano.
É possível mandar um sinal de bondade, de gratidão e mesmo um pedido de perdão aos nossos entes queridos que já partiram para o purgatório. Isto significa para ele uma “pequena etapa de purificação”. (...)”Nunca é tarde para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil”. Existe esperança sempre.
“Como cristãos não basta perguntarmo-nos de como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal”.
Para conseguirmos chegar à vida eterna devermos buscar a Jesus. Maria, neste aspecto, desenvolve papel fundamental por ser a guia, a luz para atingir tal intento. Ela que desde o anúncio do anjo sobre a concepção de Cristo – alegria e preocupação - até a morte do filho de Deus, assistiu a tudo com grande tristeza, mas repleta da esperança; da mesma esperança que deve estar conosco de que algo novo de muito importante irá acontecer nas nossas vidas. A vida verdadeira está em Deus, graça e justiça.
esperança.
O cristianismo, em Jesus Cristo, não era sociorrevolucionário. Jesus não era guerreiro a lutar por libertação política. Ele propicia o encontro com o Deus vivo; o encontro com a esperança que é mais forte do que o sofrimento, qualquer sofrimento.
Na Igreja primitiva os homens que se tratavam, antes, como patrões e empregados, chamam-se a si mesmos de irmãos e irmãs como membros da única Igreja. Assim, como Onésimo fora devolvido ao seu “senhor” Filêmon na Carta de Paulo, não como escravo, mas como irmão em Cristo.
De acordo com a Carta aos Hebreus, os cristãos não têm aqui neste mundo uma morada permanente, mas procuram a futura. (Hb 11, 13-14; Fl 3,20). A sociedade presente é reconhecida pelos cristãos como uma sociedade imprópria; nós pertencemos a uma sociedade nova.
Para o início da Igreja primitiva ocorreram conversões tanto nas classes baixas da sociedade, livres para experimentar a nova esperança, como também na aristocracia por causa da falta de esperança e de Deus em suas vidas. Assim, destacavam-se duas figuras de Cristo: O filósofo a indicar o itinerário da vida e a do Pastor – vida simples e saudosa para as pessoas das grandes cidades – que conduz o caminho que passa pelo vale da morte; aquele que mesmo na solidão está conosco, que acompanha; a mostrar que após a vida há continuação. A fé é a substância das coisas que se esperam; a prova das coisas que não se vêem.
As propriedades, aquilo da qual se necessita para viver como segurança normal para a vida, foi tolhida durante a perseguição cristã. Podiam, eles, prescindir dela. Acharam uma base melhor para a existência. Uma que ninguém pode tirar e sempre permanece.
A fé confere à vida uma nova base, novo fundamento para que o homem se apóie.
Para nós, hoje, a fé cristã é também uma esperança que transforma e sustenta a nossa vida? Para nós ela é performativa - a dar um modo novo a mesma vida - ou é informativa parecendo superada por informações mais recentes? No batismo o que os pais pedem é a fé para o batizando e, assim, a vida eterna. Mas, hoje, queremos viver eternamente? Segundo palavras de o Padre da Igreja, Sto. Ambrósio, diz que “Deus não instituiu a morte ao princípio, mas a deu como remédio. Condenada pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de pôr fim a estes males para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido”.
O que na verdade é vida e o que é eternidade? Por um lado não queremos morrer e por outro não desejamos continuar a existir ilimitadamente. O que queremos na realidade? Santo Agostinho escreve: “No fundo queremos uma só coisa: A vida bem-aventurada”. A vida que é pura felicidade. Mas, Agostinho continua: “Não sabemos realmente o que desejamos”. Mesmo no momento em que pensamos toca-la, não a alcançamos realmente. Não conhecemos o sentido da “vida verdadeira”.
Enquanto eterno suscita em nós a idéia do interminável, do infinito, e até provoca medo, vida é aquilo que não queremos perder, mas que nos dá canseiras e insatisfações de tempos em tempos. Para entendermos a vida eterna temos que sair da idéia de dia após dia, de temporalidade que somos prisioneiros e de que a eternidade não é uma sucessão de dias do calendário. É quando o antes e o depois já não existem. No Evangelho de João 16, 22 Jesus fala: “Eu hei de ver-vos de novo; e o vosso coração alegrar-se-á e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria”.
A vida verdadeira depende também da união com um povo e pode realizar-se somente no âmbito do “nós”. Somente com a abertura do sujeito para o universal é que se abre o olhar para a fonte de alegria, para o amor em pessoa, para Deus.
Segundo Francis Bacon, falando da atualidade, disse que surgirá ou surgiu o “reino do homem”. Um mundo totalmente novo com descobertas completamente novas. Pensava-se aí no avião, submarino, etc. Neste contexto a fé passou a ser a fé no progresso. Surge como conseqüência a razão e a liberdade. O progresso é a superação de dependências; é o avanço para a liberdade perfeita. Segundo a encíclica é necessário um olhar sobre duas etapas: 1. “A Revolução Francesa como tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade agora também de modo politicamente real”. 2. A industrialização gerando uma situação social distinta onde surge a classe dos trabalhadores da indústria, o proletariado industrial e as terríveis condições de vida deles e a conseqüente revolução proletária. Neste momento surgiram os ideais de Karl Marx que defendia que o progresso não é advindo somente da ciência, mas da política. Ele descreveu no Manifesto Comunista de 1848 os caminhos para a revolução, “da mudança de todas as coisas”. Errou quando apenas indicou o modo de realizar o derrubamento, mas não revelou como proceder após a revolução. “Ele supunha simplesmente que com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizada a Nova Jerusalém”.(...)”Ele esqueceu o homem e a sua liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. (...)O homem não é só produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições econômicas favoráveis”.
A fé no progresso é complexa uma vez que existe uma ambigüidade onde o mesmo progresso que oferece o bem sucumbe, também, ao mal. Foi o progresso que fundou a era atômica dentre outros males.
“Quem prometesse o mundo melhor que duraria irrevogavelmente para sempre faria uma promessa falsa; ignoraria a liberdade humana”. Uma vez que se fixa ou impõe uma boa condição do mundo – por mais bem intencionada que seja - se nega a liberdade humana. Assim, a busca de “retos ordenamentos” para o homem é tarefa de gerações; nunca pode se dar por concluída; cada um deve dar sua contribuição para ordenamentos do bem e que “ajudem a geração seguinte na sua orientação para o reto uso da liberdade humana”.
O homem sempre está em busca de algo novo. Nunca se realiza na totalidade. Busca-se, por exemplo, uma profissão como forma de “viver”. Mas, uma vez alcançada, vem as frustrações e, novamente, ele é impelido a buscar algo novo, desconhecido, mas que, talvez, venha a lhe atender. É a esperança. A era moderna frustrou quando destacou que com os conhecimentos da ciência e da política científica poder-se-ia instaurar um mundo perfeito e nestes conceitos muito se esperava; muita esperança fora depositada. A esperança no reino do homem substituiu o reino de Deus. Passou-se a acreditar que o mundo melhor seria para o futuro e não para hoje, não para mim, não para nós, mas para “eles”. Mas, se não é uma esperança para mim - embora o “nós” é parte da “vida” e fundamental para a realização humana – não é uma verdadeira esperança. Há de existir a liberdade sempre, o livre arbítrio do homem. Sem a liberdade é impossível ser bom o mundo. É só se imaginar privado dela como um presidiário. Mas, o mundo melhor só de amanhã não pode ser suficiente a nossa esperança cristã.
Nesta proposta é fácil entender que a esperança só no mundo não realiza, não gera esperança verdadeira. Só Deus pode propor e dar aquilo que, também sozinhos, não podemos conseguir. “Somente o Seu amor nos dá a possibilidade de perseverar com toda a sobriedade dia após dia sem perder o ardor da esperança num mundo que por sua natureza é imperfeito”. No amor de Deus esperamos, ansiamos pela vida verdadeira.
A Encíclica “Spe Salvi” mostra, também, “lugares” de aprendizagem e de exercício da esperança a todos nós cristãos.
O primeiro “lugar” citado pelo Sumo Pontífice é por intermédio da oração. “Se me encontro confinado numa extrema solidão... o orante jamais está totalmente só”. Cita, o Papa, o Cardeal Nguyên Van Thuân que preso por treze longos anos num desespero total encontrava na oração a força crescente da esperança que o estimulava dia pós dia.
O homem deve livrar-se das mentiras que enganam a si mesmo. Deve dilatar o seu coração a Deus e receber dEle o que é digno. Tudo isto e muito mais por intermédio da oração. Devemos “limpar o vinagre” e nos purificar para receber Deus. Agindo desta forma, segundo Bento XVI, estaremos aptos a Deus e, também, ao próximo.
A oração deve ser pessoal, mas guiada pela Igreja como na oração litúrgica. O Cardeal Nguyên Van Thuân comentou que nos anos da prisão, cansado e incapaz de rezar, lembrava-se do Pai-Nosso e da Ave-Maria.
A ação e o sofrimento nos fazem aprender a ter esperança. A continuar vivendo devemos empenhar na busca por um mundo melhor, mais luminoso e humano. Mas, tudo isso iluminados por Deus. A continuação da nossa vida e futuro da comunidade nos cansa e pode se transformar em fanatismo. “Se não podemos esperar mais do que é realmente alcançável de cada vez e de quanto nos seja possível oferecerem as autoridades políticas e econômicas a nossa vida se arrisca a ficar bem depressa sem esperança”, diz o texto.
Da mesma forma é narrado sobre o sofrimento. É importante diminuir o sofrimento dos inocentes, amenizar dores e superar os sofrimentos psíquicos. Isto é papel do cristão. Não é o escapar do sofrimento que se lê na Encíclica, mas o aceitar os obstáculos da vida e amadurecer. A união com Cristo que sofreu com amor.
Bento XVI diz: “A verdade e a justiça devem estar acima da minha comodidade e incolumidade física, senão a minha própria vida torna-se uma mentira”. Por maior sofrimento que seja, o cristão há de lutar por princípios do bem.
A idéia de juízo final incomoda. No credo litúrgico donde se fala que “há de vir a julgar os vivos e os mortos”. Igualmente a oração parece apontar para a consciência diária, mas também na esperança da justiça divina.
O ateísmo é, segundo o documento da Igreja, um manifesto moral onde aqueles não acreditam que exista um Deus justo que permita injustiças no mundo, “sofrimento de inocentes e cinismo do poder. É em nome da moral que é preciso contestar Deus”. Assim, o próprio homem é chamado a estabelecer a justiça. Mas, assim, também suscita dúvida. Se Deus deve intervir a não ocorrer estas injustiças, Ele não permite também a liberdade, o livre arbítrio. Pior ainda seria a desnecessidade de, neste mundo perfeito, existisse a esperança. Seria a morte da esperança.
“Deus existe e Deus sabe criar justiça num modo que nós não somos capazes de conceber, mas que pela fé podemos intuir”. A satisfação individual que nos é negada na vida é motivo importante para crer que o “homem seja feito para a eternidade”.
“No fim, no banquete eterno não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas como se não tivesse acontecido”. Deus é graça, mas também justiça. Se fosse apenas graça apagaria todos os erros que fazemos cientes daquilo que fazemos. Assim, Ele é também justiça. Mas, se fosse só justiça teríamos medo na caminhada terrena.
No juízo final haverá o juiz, Jesus, onde “o nosso modo de viver não é irrelevante, mas a nossa sujeira não nos mancha para sempre se ao menos continuarmos inclinados para Cristo, para a verdade e para o amor. Esta sujeira já foi queimada na paixão de Cristo”. Esta é a visão do purgatório que também é impossível entender o tempo dele com o cronômetro humano.
É possível mandar um sinal de bondade, de gratidão e mesmo um pedido de perdão aos nossos entes queridos que já partiram para o purgatório. Isto significa para ele uma “pequena etapa de purificação”. (...)”Nunca é tarde para tocar o coração do outro, nem é jamais inútil”. Existe esperança sempre.
“Como cristãos não basta perguntarmo-nos de como posso salvar-me a mim mesmo? Deveremos antes perguntar-nos o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança? Então terei feito também o máximo pela minha salvação pessoal”.
Para conseguirmos chegar à vida eterna devermos buscar a Jesus. Maria, neste aspecto, desenvolve papel fundamental por ser a guia, a luz para atingir tal intento. Ela que desde o anúncio do anjo sobre a concepção de Cristo – alegria e preocupação - até a morte do filho de Deus, assistiu a tudo com grande tristeza, mas repleta da esperança; da mesma esperança que deve estar conosco de que algo novo de muito importante irá acontecer nas nossas vidas. A vida verdadeira está em Deus, graça e justiça.
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